Following is the Portuguese translation of the article on the economic and health crisis that has been made by the Laboratory of Interdisciplinary Studies of the Law Faculty of the State University of Rio de Janeiro Laboratório de Estudos Interdisciplinares Crítica e Capitalismo, vinculado à Faculdade de Direito e ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) https://leiccuerj.com/2020/04/04/apandemia-de-coronavirus-e-a-crise-economica-e-da-saude/ A pandemia de coronavírus e a crise econômica e da saúde 4 de abril de 2020 Por Stavros D. Mavroudeas * Esta é uma tradução do texto originalmente divulgado no site do autor, em 25/03/2020 (você pode acessar o artigo original aqui). I magem: Martin Sanchez on Unsplash Uma dupla crise: saúde
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Laboratório de Estudos Interdisciplinares Crítica e Capitalismo, vinculado à Faculdade de Direito e ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
https://leiccuerj.com/2020/04/04/apandemia-de-coronavirus-e-a-crise-economica-e-da-saude/
A pandemia de coronavírus e a crise econômica e da saúde
Por Stavros D. Mavroudeas
* Esta é uma tradução do texto originalmente divulgado no site do autor, em 25/03/2020 (você pode acessar o artigo original aqui).
I
magem: Martin Sanchez on Unsplash
Uma dupla crise: saúde e economia
Hoje, a humanidade está em meio a uma pandemia de coronavírus, resultando em uma enorme crise na saúde. Contudo, ao mesmo tempo, a economia global está entrando em um caminho recessivo, caracterizado agora como crise econômica de quase todos os lados. Deste modo, justifica-se falar em crise dupla, na saúde e na economia. Obviamente, a primeira tem prioridade imediata, na medida em que envolve perda de vidas humanas. Mas, além de seu impacto direto sobre as vidas humanas, também tem grandes implicações econômicas. Tais implicações têm importantes consequências para o bem estar-social, o que tem efeitos indiretos na saúde – embora não diretamente fatais.
Uma primeira questão é como as crises econômica e da saúde são ligadas. Essas são, obviamente, entrelaçadas; mas são idênticas ou não? E, mais especificamente, a crise da saúde é a causa ou apenas a desculpa da crise econômica?
Um segundo problema crucial diz respeito a quem paga o custo desta dupla crise. Também é óbvio que, porque as sociedades de hoje são feitas de classes sociais com interesses principalmente conflitantes, os custos econômicos da saúde e as escolhas econômicas são um campo de luta entre as classes. É, ainda, de se esperar, se deixamos de lado as hipócritas análises não-sociais da economia ortodoxa, que a dominante classe capitalista busque passar o fardo desta dupla crise, ao menos sua maior parte, para as costas da vasta maioria trabalhadora da sociedade. Apenas deste modo sua lucratividade – a razão essencial para o funcionamento do sistema capitalista – não será minada.
A terceira questão crucial é qual deveria ser a posição da esquerda e do movimento trabalhista em relação a esta dupla crise e suas consequências.
A pandemia não é a causa, mas o gatilho da crise econômica.
Hoje, o mercado global de ações está colapso e a economia real em retorno à recessão, apesar dos esforços frenéticos da maioria dos governos em apoiá-los. Os primeiros sinais já indicam um declínio na produção e um desemprego cada vez maior.
A ortodoxia econômica de hoje (isto é, o Novo Consenso Macroeconômico[2]) argumenta que este retorno à recessão (e possivelmente à crise, por exemplo El Erian (2020)) é causado por um evento exógeno, qual seja a pandemia do coronavírus. A título de ilustração, todas as principais organizações econômicas internacionais projetaram para 2020 crescimento estável, se não crescente (por exemplo, segundo a previsão de janeiro do FMI, o crescimento da economia mundial de 2,9% em 2019 iria para 3,3% em 2020). Com o surto da pandemia, todas estas previsões estão sendo revisadas para baixo, de sorte que agora são previstas, inclusive, taxas de crescimento negativo. Como mencionado anteriormente, para os economistas ortodoxos, a iminente recessão (ou até crise) não decorre de problemas orgânicos das economias capitalistas, mas de um fator exógeno, isto é, a pandemia. Afinal, a atribuição das crises a fatores externos é o modo básico da economia ortodoxa interpretar as crises econômicas.
Porém, análises mais cuidadosas, tais como aquelas da economia política marxista, indicam que a pandemia de hoje é, basicamente, a fagulha que faltava para provocar a explosão de problemas preexistentes da acumulação capitalista. Em resumo, a crise de 2008 foi causada pelo declínio na lucratividade capitalista e a consequente sobreacumulação de capital, isto é, o excesso de capital que não poderia ser investido de forma suficientemente lucrativa (Carchedi & Roberts (2018)). A crise foi precedida por um período de euforia econômica, que contou fortemente com a operação de capital fictício[3]. O sistema capitalista tentou superar esta crise abandonando o dogma neoliberal, segundo o qual o mercado é auto-equilibrado, e recorrendo ao intervencionismo estatal. Esse último foi expresso através tanto de uma política monetária frouxa (isto é, diminuir as taxas de juros e aumentar a oferta de dinheiro) quanto de uma política fiscal expansionista (ou seja, aumento do gasto e investimento público). Esta foi agudamente restringida depois que a crise acabou e a austeridade fiscal retornou à medida que os déficits orçamentários (a fim de apoiar a lucratividade capitalista) aumentaram. A política monetária frouxa continua até hoje, mas exauriu o seu potencial. Portanto, depois de na prática zerar as taxas de juros, as políticas monetárias não-ortodoxas (quantitative easing[4], etc) começaram e quando essas foram esgotadas, as taxas de juros negativas foram adotadas. O resultado foi uma situação completamente paradoxal, onde a dívida (pública e privada) estava crescendo ao mesmo tempo em que os mercados de ações estavam em constante ascensão (isto é, as expectativas para um melhor retorno econômico futuro ou, em termos marxistas, para uma extração cada vez maior de mais-valia e, portanto, lucros). Contudo, a economia real mostrou que era incapaz de satisfazer tal aposta. No geral, o setor industrial – que é o coração das atividades produtivas – já estava em longa recessão antes da pandemia eclodir.
A pandemia foi a razão para a emergência explosiva de todos estes problemas preexistentes. As razões são óbvias. A massiva e descontrolada perda de vidas humanas tem um impacto negativo sobre a produção e o consumo. Além disso, medidas para enfrentar a pandemia possuem sérias implicações econômicas. Particularmente, o chamado “distanciamento social”, as proibições de tráfego e a consequente paralisação ou operação significativamente abaixo da capacidade de muitas das economias têm óbvias consequências negativas.
A economia política da coroação: suavizando qual curva?
Para o sistema capitalista há uma relação contraditória entre as medidas necessárias para lidar com a crise na saúde e o impacto econômico destas, especialmente em tempos de instabilidade econômica. Isso foi explicitamente reconhecido por muitos analistas ortodoxos. Tipicamente, tanto o The Economist (2020) quanto El Erian (2020) indicam que medidas para enfrentar a pandemia têm um alto custo econômico que, por sua vez, agrava a recessão. A interpretação é óbvia. Na eventualidade de uma epidemia, é necessário limitar ou mesmo parar completamente muitos processos econômicos, o que resulta em uma redução na produção.
Há uma típica disputa entre economistas ortodoxos quanto a se a prolongada interrupção de muitas atividades econômicas tem um impacto sobre a economia através da oferta ou da demanda. A economia política marxista supera este dilema enganoso, que se assemelha aquele do ovo de Colombo. A interrupção prolongada da economia conduz a uma redução na lucratividade das empresas capitalistas, na medida em que menos produtos são produzidos. Este declínio é ainda mais exacerbado, porque o consumo decresce à medida que a renda disponível encolhe e, consequentemente, mesmo a produção em declínio não encontra compradores suficientes. Ademais, esses problemas da economia real têm múltiplos efeitos negativos sobre o sistema financeiro e as finanças públicas.
Gourinchas (2020) delineia esta relação contrastante de modo muito acurado: “a normalização da curva de contaminação inevitavelmente leva à deterioração da curva de recessão macroeconômica”.
Baldwin e Weder di Mauro combinaram as duas curvas de Gourinchas em um único diagrama, que segue:
O eixo horizontal mede o tempo desde a ocorrência do primeiro caso de infecção de coronavírus. O eixo vertical mede o número de infecções em seu segmento positivo e a severidade da recessão econômica em seu segmento negativo. A parte superior do diagrama mostra que se políticas de contenção não são aplicadas, as incidências serão maiores, mas também o recuo da epidemia será mais rápido. Por contraste, políticas de contenção conduzem a muito menos casos de infecção, embora, ao mesmo tempo, prolonguem a duração da epidemia. No cerne deste estudo está a noção de “imunidade de rebanho”[5]. É claro, tanto Gourinchas quanto Baldwin e Weder di Mauro argumentam que a escolha de implementar as políticas de contenção é obrigatória, uma vez que de outro modo o custo de vidas humanas seria exorbitante. A parte debaixo do diagrama é elaborado com base na premissa de que as políticas de contenção intensificam a recessão econômica, enquanto a ausência daquelas a tornam mais branda.
Há uma série de problemas com a análise acima, que são característicos da concepção unilateral e, socialmente, profundamente conservadora da economia ortodoxa.
Primeiro, não há certeza de que a retração econômica seria mais branda sem as políticas de contenção. Infecções em massa – e, além disso, mortes – têm um sério impacto sobre a força de trabalho disponível e sua habilidade em realizar trabalhos produtivos. Manter os negócios abertos em meio a uma pandemia, com o aparente crescimento de doentes e moribundos, não irá deixar o resto da força de trabalho indiferente. Pelo contrário, é mais provável, por um lado levar à evasão e, por outro, a ações sindicais intensas; no pior cenário possível: um agravamento da epidemia e, ao mesmo tempo, uma paralisação da economia.
Segundo, esta análise ignora as dimensões política e econômica do problema e, em particular, o fato de que diferentes sistemas socioeconômicos têm diferentes capacidades de lidar com tais epidemias. Isso tem um impacto direto sobre a óbvia incapacidade do setor privado de saúde (quando comparado ao setor público de saúde) de lidar com a crise.
Uma economia capitalista pode suportar um período menor de paralisação quando comparada à economia socialista ou mesmo ao capitalismo de Estado. Como Trump colocou, a economia dos EUA “não é construída para ser desligada”. A razão fundamental é que as empresas capitalistas operam para o lucro; ou então não teriam razão de existir. Consequentemente, elas não podem operar no nível do custo de produção e, menos ainda, com perdas. A menos que alguém mais as subsidiem para permanecer em operação, elas vão fechar. Ao contrário, uma economia socialista pode sobreviver sem alcançar excedentes (lucros), ao meramente cobrir os custos de produção. Pelas mesmas razões, pode sobreviver mais tempo mesmo com perdas econômicas. Ademais, o Estado socialista pode suportar ônus muito maiores que o seu equivalente capitalista, posto que aquele tem um tamanho e poder econômico muito maiores. O caso do capitalismo de Estado é intermediário. Esse suporta parte do fardo das empresas capitalistas e, portanto, essencialmente subsidia a sobrevivência dessas sob condições de constrição econômica. Consequentemente, no caso socialista, a distância entre as duas curvas (recessão com ou sem políticas de contenção) é mais curta. O capitalismo de Estado está entre as duas hipóteses acima.
Segue, do ponto anterior, que sistemas socioeconômicos baseados em um setor de saúde público são mais capazes de lidar com o problema da epidemia. Por analogia, as economias capitalistas que têm um amplo e eficiente sistema público de saúde enfrentam o problema melhor que aquelas que possuem um sistema de saúde pública fraca e dependem, principalmente, do setor de saúde privada (como, por exemplo, os EUA).
Custos econômicos e política de saúde: supressão ou mitigação da pandemia?
As análises ortodoxas mencionadas acima estabelecem uma estrutura geral no interior da qual as políticas de saúde para lidar com o coronavírus são discutidas. O contexto da discussão torna-se muito claro a partir do recente estudo da equipe epidemiológica do Imperial College (2020). Este estudo identifica duas políticas de saúde alternativas.
A primeira política, denominada de supressão, visa deter os rastros da pandemia com medidas drásticas. As ferramentas principais de tal política são a interrupção extensiva das atividades econômicas, sociais e políticas (por exemplo, o fechamento de negócios e serviços que não são estritamente necessários, proibição de circulação).
A segunda política, chamada de mitigação, tem por objetivo tornar a pandemia mais branda. A ferramenta básica desta política é orientada ao bloqueio de atividades específicas, ao invés de proibições generalizadas. Em grande medida, esta segunda política é combinada com a hipótese da “imunidade de rebanho”.
Mas o estudo do Imperial College, apesar de seu apoio à primeira política, salienta que, embora possa ser inicialmente suprimida, se não for encontrada nenhuma medicação e ou vacina, a epidemia pode retornar quando as políticas de contenção forem aliviadas. Isso significa que os países deveriam reaplicar as medidas de contenção. Assim, cria-se um ciclo vicioso de imposição e remoção de políticas de contenção. Até agora, diferentes países adotaram distintas políticas de saúde. A China, que primeiro respondeu à epidemia, rapidamente implementou uma política de supressão draconiana. Muitos países ocidentais, inicialmente, subestimaram o problema – apesar do precedente da China – e aplicaram políticas de mitigação. Contudo, a tragédia da Itália logo obrigou a maioria dos países europeus a mudarem de rumo e a adotarem a política de supressão. Apenas os países anglo-saxões (Estados Unidos e Reino Unido) continuaram por um período maior o caminho das políticas de mitigação. Entretanto, o Reino Unido, recentemente, também foi obrigado a mudar de direção. Por sua vez, os Estados Unidos parecem estar arrastando seus pés para o mesmo caminho.
Mas as dúvidas sempre permanecem. De modo típico, o Economist (2020) argumenta que “a política de mitigação custa muitas vidas humanas, enquanto a política de supressão pode ser economicamente insustentável”. Assim se prepara a alternativa: pode agora ser politicamente impossível para os governos seguirem as políticas de mitigação e remover restrições sobre a atividades econômica. Mas se economia correr o risco de colapso, então não haverá outra escolha senão abandonar a supressão e adotar políticas de mitigação.
Portanto, baseado neste argumento, conclui-se que, a menos que uma cura para a epidemia de coronavírus seja encontrada em breve, haverá necessariamente uma mudança em direção à mitigação.
Há uma dimensão menor, mas não insignificante, em relação às discussões acima mencionadas. Trata-se da capacidade do sistema de saúde gerir a epidemia com uma política de supressão ou de mitigação. Gourinchas (2020) a descreve com precisão no diagrama a seguir.
O preparo para efetivamente implementar uma ou outra das duas políticas de saúde supracitadas depende da “capacidade” do sistema de saúde (isto é, na prática, do número de UTI’s e de pessoal de enfermagem). Além disso, outro parâmetro importante é o grau de proteção do pessoal médico (por exemplo, sua proporção que é infectada durante a epidemia e fica, na prática, fora de combate). É óbvio diante do acima exposto, mas também é provado na atual pandemia, que os países com sistemas de saúde públicas mais fortes e amplos são mais preparados do que aqueles com fracos sistemas de saúde privatizados. Curiosamente, esta dimensão pública-privada é quase completamente ausente nos debates econômicos ortodoxos de hoje.
Política econômica e de saúde: o fim do Neoliberalismo e a continuidade do Neoconservadorismo por outros meios.
A atual coordenação da crise econômica e da saúde conduz a algumas conclusões cruciais.
Em primeiro lugar, é claro que o Neoliberalismo falhou miseravelmente. Na política econômica, a noção que o mercado é auto equilibrado e o Estado deveria retirar-se da economia tem conseguido aumentar o grau de exploração do trabalho (em termos marxistas, a taxa de mais-valor), mas falhou em lidar com a sobreacumulação de capital. Desta forma, a taxa de lucro não foi retomada suficientemente. Além disso, sua visão dogmática de que as crises econômicas são exógenas torna o Neoliberalismo particularmente incapaz de formular políticas econômicas para superar as crises. Por analogia, a respeito do setor de saúde, sua tentativa de privatizar os sistemas públicos de saúde (seja direta ou indiretamente, fragmentando-os e criando competição entre seus segmentos, bem como pelo reforço de parcerias público-privadas) tem os deteriorado perigosamente.
A evidente falha do Neoliberalismo na esteira crise econômica global de 2008 marcou sua substituição pelo Novo Consenso Macroeconômico social-liberal. A crise atual torna essa sucessão ainda mais evidente. Desde os primeiros sinais da vinda da crise, os governos não só adotaram uma política monetária frouxa, como também mudaram para políticas fiscais expansionistas. No caso da União Europeia, a epidemia do coronavírus levou a uma desvinculação dos gastos públicos e déficits das limitações do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Ainda mais impressionante é o relaxamento das restrições sobre os países da zona do euro que estão em programas de ajuste econômico (tal como a Grécia).
De fato, como o uso prolongado da política monetária levou à sua exaustão, o centro de gravidade da política econômica, à medida que são anunciados extensivos pacotes de apoio fiscal, desloca-se para a política fiscal. Além disso, uma coisa impensável no tempo neoliberal está acontecendo: vozes oficiais contemplam a nacionalização de setores estratégicos da economia[6].
Ademais, a política industrial[7] está retornando explicitamente, e de um modo muito ativo, embora discreto. Ilustrativamente, no contexto da crise epidêmica, amplas somas de dinheiro são dirigidas para o setor de saúde; e correspondente política industrial vertical não é apenas elogiada, mas praticamente implementada. Deve-se notar que enquanto o Neoliberalismo detesta política industrial em geral, seu sucessor (o Novo Consenso Macroeconômico), ao menos inicialmente, preferiu apenas uma política industrial horizontal. Agora seu pêndulo move-se em direção às políticas industriais verticais.
Em segundo lugar, também há crescentes sinais do fracasso iminente do Novo Consenso Macroeconômico. As políticas promovidas – com o retorno de um intervencionismo estatal comedido e o uso sistemática anti-cíclico de todas as políticas estatais – podem ter evitado a catástrofe na véspera da crise global de 2008, mas falhou em retificar as profundas contradições e problemas da economia capitalista. Estes problemas já são evidentes na inabilidade de suas políticas econômicas evitarem a crise econômica que está sendo desencadeada pela epidemia de coronavírus. Além disso, no campo das políticas de saúde, o Novo Consenso Macroeconômico praticamente continuou a política de austeridade e de direta ou indireta privatização do sistema de saúde.
Em terceiro lugar, lidar com crises de saúde e econômica é extremamente custoso. No capitalismo que irá suportar estes custos é um campo de intensa luta de classes. Para a classe dominante capitalista, esta combinação de duas crises é tanto um perigo quanto uma oportunidade. É um perigo porque qualquer combinação desse tipo ameaça as funções fundamentais da economia capitalista. Mas também uma oportunidade, porque o sistema está experimentando novas relações de trabalho e salário. O teletrabalho é um vício recém-descoberto. O capital tenta descobrir quantas categorias de trabalho podem efetivamente ser relegadas a esta modalidade e quais novas ferramentas de controle são necessárias a fim de sustentar (ou mesmo aumentar) a produtividade. Redução dos custos salariais (através de empregos flexíveis, subcontratação, reduções diretas de salários, salário por peça, etc) e uma maior desregulamentação da legislação trabalhista já é um campo para tais testes.
No curto prazo, o sistema coloca o fardo econômico de lidar com a crise na saúde sobre o Estado capitalista. Neste sentido, esse é “socializado”, no sentido de que outras classes sociais, para além dos capitalistas, o compartilham (usualmente de modo desproporcional) através da tributação. Por esta razão, o Estado subsidia os negócios privados que fecham ou operam sobre capacidade severamente limitada. Além disso, cobre a maioria dos custos salariais desses negócios através de vários subsídios trabalhistas. Contudo, ao mesmo tempo, o direito do trabalho, em particular no que diz respeito às demissões, é praticamente reduzido a pedacinhos[8].
No médio prazo, a preocupação do sistema é como enfrentar o crescimento do déficit fiscal e a dívida criada no esforço de enfrentar a combinação das duas crises. No longo prazo, contudo, o centro de gravidade é deslocado é deslocado em direção a mudanças estruturais drásticas, que o sistema busca estabelecer a fim de cobrir suas perdas e restaurar a lucratividade e acumulação capitalista.
É evidente que para o trabalho, que é a grande maioria trabalhadora de nossas sociedades, este “novo novo normal” que o capital está tentando impor representa um futuro ainda mais distópico que a epidemia do coronavírus em si.
A esquerda e o movimento trabalhista diante da dupla crise
Para os comunistas, a esquerda e o movimento trabalhista, a situação de hoje coloca sérios desafios.
Primeiramente, a resposta à crise da saúde pode ser apenas que as medidas mais drásticas devem ser implementadas, independentemente de seus custos econômicos. O capital, quando confrontado com a crise econômica, tem se pronunciado, através de agentes proeminentes, que os governos burgueses devem fazer “o que for preciso”; quer dizer, implementar qualquer medida econômica que seja necessária. Porém, ao enfrentar a crise na saúde, o capital tem dúvidas em comparar o prejuízo humano ao econômico. A esquerda e o movimento trabalhista devem demandar que todas as medidas de contenção requeridas devem ser tomadas quaisquer sejam os seus custos econômicos. Simultaneamente, as atividades econômicas que são necessárias devem estar em conformidade com as mais rigorosas medidas de saúde.
Em segundo lugar, o custo econômico da dupla crise não deve ser suportado pela classe trabalhadora, mas pelo capital. O sistema socioeconômico no qual vivemos pertence a este último. Muitas das doenças e epidemias modernas têm causas sociais provenientes da busca do capitalismo pelo lucro. E, finalmente, a classe dominante acumulou, durante as décadas recentes, enormes estoques de riqueza que, por causa da sobreacumulação, são “apostados” no sistema financeiro. Pelo contrário, a participação do salário no produto agregado decresceu de forma constante e substancial durante todas estas décadas recentes. Consequentemente, a crise é causada e, por esta razão deve ser paga, pela classe dominante.
Terceiro, a esquerda e o movimento trabalhista devem ver claramente quem é o adversário real. O choroso e usual anti neoliberalismo e as súplicas para mais intervencionismo estatal não desafiam as políticas capitalistas. Estas simplesmente apoiam a mudança dos administradores do sistema. O Neoliberalismo morreu e o Estado (burguês) – que nunca abandonou as questões cruciais – já retornou. Mas a ortodoxia social-liberal de hoje simplesmente promete à classe trabalhadora algumas aspirinas como cura para os cânceres socioeconômicos que o sistema cria. Este retorno do intervencionismo estatal apoia generosamente o capital, enquanto busca passar o fardo aos trabalhadores. E são as dominantes políticas e percepções neokeynesianas que são, hoje, o veículo desta mudança. Em face de tudo isso, a esquerda e o movimento trabalhista devem lutar por mudanças estruturais profundas. Em princípio, os custos da dupla crise deveriam ser arcados pelo capital. Além disso, áreas-chave da atividade econômica devem ser descomodificadas e seus produtos e serviços devem ser providos através de sistemas públicos. O problema da saúde é hoje o caso perfeito em questão. A criação de sistemas públicos de saúde (com forte financiamento e pessoal, e sem formas indiretas de privatização) é uma necessidade urgente; especialmente dada a frequência das grandes epidemias contemporâneas. O financiamento destes esquemas deve ser baseado em sistemas robustos de tributação progressiva.
Quarto, a esquerda e o movimento trabalhista devem permanecer firmemente contra a “nova nova normalidade” que o capital está tentando impor. O enfraquecimento das leis de proteção do trabalho não deve ser tolerado, mas, antes, ainda mais reforçadas. Particular atenção deve ser dada à pretendida mudança nas relações de emprego através de teletrabalho e novas formas de controle e intensificação do trabalho que o capital busca impor (ver Manacourt (2020)).
Por fim, mas não menos importante. A epidemia de coronavírus e o “distanciamento social” têm restringido severamente os direitos políticos e sociais. Já é evidente que o sistema está experimentando tais limitações, tanto para aplicação geral quanto para novas formas de manipulação ideológica do povo. A esquerda e o movimento trabalhista devem rechaçar firmemente estes esforços.
Referências
Baldwin R. & Weder di Mauro B. (2020), Introduction to Baldwin R. & Weder di Mauro B. (eds.), Mitigating the COVID Economic Crisis , London: CEPR Press
Carchedi G. & Roberts M. (2018), World in Crisis , Chicago: Haymarket Books.
Economist (2020), ‘Closed by covid-19: Paying to stop the pandemic’, The Economist 19 March
El Erian M. (2020), ‘The Coming Coronavirus Recession and the Uncharted Territory Beyond’, Foreign Affairs 17 March
Gourinchas PO. (2020), ‘Flattening the Pandemic and Recession Curves’ in Baldwin R. & Weder di Mauro B. (eds.), Mitigating the COVID Economic Crisis , London: CEPR Press
Imperial College (2020), COVID-19 Response Team https://www.imperial.ac.uk/news/196234/covid19-imperial-researchers-model-likely-impact/
Manacourt V. (2020), ‘Working from home? Your boss is watching ‘, Politico 3/18/20 https://www.politico.eu/article/working-from-home-your-boss-is-watching/
Mavroudeas S. & Papadatos F. (2018), ‘Is Financialization a Hypothesis Theoretical Blind Alley?’, World Review of Political Economy vol.9 no.4. https://stavrosmavroudeas.wordpress.com/2020/03/11/is-the-financialization-hypothesis-a-theoretical-blind-alley-s-mavroudeas-d-papadatos-world-review-of-political-economy/
Notas:
[1] Texto original publicado em 25 de março de 2020 no link: https://stavrosmavroudeas.wordpress.com/2020/03/25/4383/. Acesso em 04 abr 2020. Tradução: LEICC/UERJ.
[2] O Novo Consenso Macroeconômico sucedeu gradualmente, no final do século 20, o Neoliberalismo, depois desse falhar em abordar os problemas prolongados da acumulação capitalista. Sua dominância tornou-se mais forte depois da crise global de 2008, que, em grande medida, selou a falha do Neoliberalismo. O Novo Consenso Macroeconômico combina Neokeynesianismo (que reconhece a possibilidade de desequilíbrios de curto prazo devido à rigidez em alguns mercados) com elementos do Neoliberalismo (expectativas racionais, equilíbrio de mercado a longo prazo). O Novo Consenso Macroeconômico, em contraste ao Neoliberalismo, acredita que desequilíbrios de curto prazo requerem intervenção econômica estatal. Argumenta que há uma necessidade de uma função econômica mais estratégica para o Estado, oposta tanto ao tradicional intervencionismo estatal keynesiano quanto ao dogma Neoliberal da completa retirada do Estado da economia. Neste sentido, considera que a política monetária é a principal ferramenta econômica no curto prazo, enquanto a política fiscal tem um papel de apoio. Mas, gradualmente, depois da crise de 2008 e com a iminente recessão de hoje, a função da política fiscal passa a ser constantemente atualizada. Além disso, a necessidade de uma vertical e discreta política industrial é reconhecida.
[3] Capital fictício é, essencialmente, uma aposta sobre lucros futuros que estão sendo deduzidos hoje (para uma análise mais detalhada ver Mavroudeas & Papadatos (2018)). Estas apostas são sujeitas à troca intra-capitalistas e, em conjunto com dinheiro de crédito, pode engendrar períodos de exorbitantes expectativas econômicas e crescente acumulação. Se estas apostas obtêm êxito, a acumulação de capital continua normalmente. Mas, se a economia real não as atende, emergem, então, as crises econômicas.
[4] “O quantitative easing, ou QE, é uma medida onde um Banco Central compra títulos do governo ou outros títulos do mercado para reduzir as taxas de juros e expandir a oferta de moeda na economia”. Conferir em: https://www.sunoresearch.com.br/artigos/quantitative-easing/ <acessado em 02/04/2020> [N.T]
[5] A hipótese da “imunidade de rebanho” argumenta que a disseminação mais rápida de uma epidemia conduz à produção mais rápida de anticorpos pela população humana. Teria um grande custo humano inicial, mas traria um fim mais rápido da epidemia.
[6] O caso da nacionalização da Alitalia na Itália é exemplar.
[7] O termo Política Industrial descreve uma grande variedade de objetivos e ações governamentais para promover o funcionamento e a sustentabilidade econômica de setores específicos da economia. Sua própria natureza é intervencionista. O Neoliberalismo argumenta que tal política é ineficaz e que , na verdade, não deveria existir, uma vez que ‘distorce o livre funcionamento do mercador’. Existem duas grandes categorias de Política Industrial: (a) horizontal (regulamentos e políticas gerais para toda a economia sem afetar o equilíbrio entre sectores individuais da economia) e (b) vertical (foco em setores específicos e aplicação de regulações e políticas discriminatórias (isto é, diferenciadas), que alteram o equilíbrio entre sectores individuais da economia).
[8] É digno de nota que no caso da economia grega já exista uma diminuição do emprego em cerca de 40.000 postos de trabalho. Além disso, há fortes evidências de uma conversão massiva de contratos de trabalho de tempo integral para contratos a tempo parcial.